No Brasil, a ideia de um
currículo para a Educação Infantil nem sempre foi aceita. O termo, porém,
ganhou força na última década, quando passou a ser de fato compreendido como um
conjunto de práticas intencionalmente planejadas e avaliadas - um projeto
pedagógico que busca articular experiências e saberes da criança para inseri-la
na cultura, capaz de prepará-la para encarar o Ensino Fundamental da melhor
maneira possível.
Para Jean Piaget, o sujeito
constrói seu próprio conhecimento, processo que se dá a partir da interação com
os outros e com o mundo dos objetos e das ideias. Por isso, o currículo da
creche deve apontar quais experiências de aprendizagem são fundamentais para o
desenvolvimento da criança, levando-se em conta as principais conquistas deste
período, como a marcha, a linguagem, a formação do pensamento simbólico e a
sociabilidade. É este projeto pedagógico que vai orientar as ações e definir os
parâmetros de desenvolvimento dos meninos e meninas.
Em 1998, o Ministério da Educação
(MEC) publicou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil,
documento que aponta metas de qualidade para garantir o desenvolvimento das
crianças na creche e na pré-escola. Mas a elaboração de propostas curriculares
municipais é bem mais recente.
Conheça, abaixo, os sete eixos de
aprendizagem da creche organizados por NOVA ESCOLA para oferecer cuidado, segurança,
acolhimento e condições para o desenvolvimento subjetivo e intelectual das
crianças entre 0 e 3 anos.
1. Exploração dos objetos e brincadeiras
O brincar é o principal modo de
expressão da infância e uma das atitudes mais importantes para que a criança se
constitua como sujeito da cultura.
Quando brinca, a criança usa seus
recursos para explorar o mundo, amplia sua percepção sobre o ambiente e sobre
si, organiza o pensamento, além de trabalhar seus afetos e sensibilidades.
Entre 0 e 2 anos, os bebês praticam os chamados jogos de exercício - as
brincadeiras sensório-motoras designadas por Piaget, como quando os pequenos
descobrem novos objetos ou imitam os gestos corporais e vocais de seus
parceiros mais experientes, colocando em ação um conjunto de condutas que os
ajudam a desenvolver suas potencialidades.
Por isso, desde o berçário, o
professor deve observar e registrar as ações das crianças ao longo da
brincadeira para propor desafios diferenciados, de acordo com a idade e a
situação. O controle do corpo, os movimentos, as expressões e a exploração dos
cantinhos - espaços da creche intencionalmente organizados para propor desafios
- motivam os pequenos.
A partir dos 2 anos, as
brincadeiras tradicionais, como as cirandas, são facilmente aprendidas e o faz
de conta propicia a criação por meio de uma negociação de significados e regras
compartilhadas. Quando brincam de faz de conta as crianças analisam aspectos da
vida cotidiana e conquistam espaços de poder que as auxiliam a confrontar o
mundo e os adultos. E é o faz de conta uma das principais marcas da entrada da
criança no jogo simbólico, no universo da cultura e da sociabilidade.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO. Proponha brincadeiras diárias de esconder; encaixar peças;
construir pistas; experimentar as propriedades dos objetos: quais rodam e quais
não, quais flutuam e quais não, quais são duros e quais são moles; jogar bola;
cirandar; imitar gestos motores e vocais dos companheiros.
MINIGRUPO. Brincar todos os dias é fundamental. Organize cirandas e
brincadeiras de roda; brincadeiras de esconde-esconde; pega-pega; jogos com
bola; faz de conta com uso de fantasias, marionetes e reprodução dos fazeres
adultos.
2. Linguagem oral e comunicação
A linguagem é um bem cultural e é
através dela que o pensamento humano se organiza. Na Educação Infantil é
preciso garantir a constituição de sujeitos falantes por meio das brincadeiras,
das cantigas de roda, dos jogos e na interação com os outros. No dia a dia da
creche é preciso trabalhar a expressividade das crianças intencionalmente.
A fala é o principal instrumento
de comunicação dos pequenos com os professores e seus colegas. Desenvolver a
oralidade, portanto, é uma das habilidades esperadas nos primeiros anos de
escolaridade.
Para dominar a oralidade, os
pequenos colocam em jogo muitas competências, como informar fatos, descrever,
narrar, explicar, transmiti uma informação a outra pessoa, contar acontecimentos
passados, manifestar opiniões, concordar e discordar, predizer, prever,
levantar hipóteses, manifestar dúvidas, expressar sentimentos e emoções. Mesmo
os bebês são capazes de compreender o que se passa ao redor, antes que comecem
a falar. As interações sociais são fundamentais para que os gestos e balbucios
evoluam para expressões orais concretas, e o professor tem o dever de
acompanhar e estimular todo este processo.
Quanto à linguagem escrita, é o
adulto quem mostra às crianças o significado dos livros. Antes mesmo da
apreensão dessa linguagem, portanto, as crianças devem ter contato com
materiais impressos - seja ouvindo histórias, seja manuseando-os. O objetivo é
ampliar o repertório das crianças e ajudá-las a organizar melhor o pensamento.
Leia histórias para as crianças,
escreva as histórias contadas oralmente pelos pequenos para que eles produzam
seus primeiros textos, estimule a comunicação em grupo, valorize as garatujas e
ensine a escrita do nome próprio ainda na pré-escola. A creche deve, também,
ser uma porta para a descoberta da funcionalidade da escrita, que desperte a
curiosidade e estimule o início do que será adiante desenvolvido como
comportamento leitor. Segundo o psicólogo Lev Vygotsky (leia mais sobre
Pensadores), é preciso fruir a linguagem que se usa para escrever e, portanto,
as práticas de leitura são imprescindíveis na vida diária dos bebês.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO e MINIGRUPO. O contexto rico de
interações estimula a criança a expressar seus desejos, sentimentos e
necessidades por meio dos gestos, balbucios e das situações coletivas de
comunicação. Organize rodas de conversa e atividades de observação e conte
histórias. Deixe, também, que as crianças imitem os colegas e aprendam a
organizar instruções para as próprias brincadeiras, seguindo receitas e regras.
3. Desafios corporais
Este eixo trata de um ponto
importante de desenvolvimento. Embora os bebês se movimentem desde o
nascimento, um longo caminho de aprendizagem precisa ser percorrido para que a
criança domine seus movimentos, atribua significações a si, aos outros e ao
mundo. As ações reflexas são, aos poucos, substituídas pela complexidade do
sistema de coordenação motora - o que pode ser amplamente estimulado pelas
brincadeiras e na organização dos cantos na creche, que oferecem obstáculos e
desafios à movimentação.
Assim como no desenvolvimento da
linguagem, o movimento pode também introduzir a criança no mundo simbólico. É
um ato cultural, no qual as crianças tanto imitam, quanto criam. Conhecer o
corpo inclui trabalhar diferentes áreas, como as ciências e as artes.
Por isso, o professor deve
reconhecer os movimentos da criança sem considerá-los "indisciplina",
mas registrando os avanços motores. É indispensável, portanto, que a escola
ofereça espaços para a criança rolar, sentar, engatinhar, andar, correr,
saltar, segurar objetos e arremessá-los, manipulá-los e encaixá-los.
Mantenha a regularidade das
propostas que envolvem os desafios corporais e introduza, se possível,
atividades esportivas, de dança e circenses ao cotidiano da creche.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO. Estimule que os pequenos explorem diferentes espaços
através de diversos movimentos, como engatinhar, sentar, manipular objetos,
arrastar-se, rolar (circuito de obstáculos: túneis, passar por baixo de...,
pneus etc.). A partir da conquista da marcha, as crianças podem aprender a
correr, saltar, pular, subir e descer com maior autonomia.
MINIGRUPO. Propicie a exploração dos desafios oferecidos pelo espaço
por meio da coordenação entre movimentos simultâneos. Ofereça, também,
orientação corporal com relação às noções de frente, trás, em cima, embaixo,
dentro e fora.
4. Exploração do ambiente
Para que as crianças possam
aprender e agir sobre o ambiente em que estão inseridas, os cinco sentidos são
mobilizados. Desde muito pequenos, os bebês são curiosos e observadores e a
creche é o lugar para transformar esta curiosidade em conhecimento - sobre os
animais, as plantas, os lugares, a tecnologia e o comportamento humano.
Neste eixo, os pequenos
desenvolvem as habilidades para compreender o mundo físico e o social, atribuir
explicações para os fenômenos da natureza e da sociedade em que vivem. Começam
levando praticamente todos os objetos à boca e, aos poucos, tornam-se capazes
de interpretar, de modo bastante particular, fenômenos complexos, como a diferença
entre o dia e a noite.
Para tanto, estimule a
observação, a construção de problemas de investigação e faça com que as
crianças criem, no dia a dia, hipóteses a serem desvendadas. Na pré-escola, os
pequenos devem saber como observar fenômenos constantes e esporádicos,
distinguir luz e sombra, quente e frio, liso e áspero, escolher critérios de
classificação dos objetos, completar modelos e reconhecer materiais diferentes.
Brincadeiras, experiências e jogos que envolvam estes conhecimentos são atividades
fundamentais.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO. Proponha brincadeiras com água, areia, terra e pasta de
maisena para a exploração de texturas e propriedades dos materiais, como a
temperatura e a consistência. Faça com que as crianças reconheçam sons altos e
baixos, propicie as explorações de cheiros com alimentos e objetos e apresente
situações que ilustrem reações de causa e efeito, por meio de brincadeiras e
interações.
MINIGRUPO. Deixe que os pequenos atuem sobre objetos e materiais sob
sua orientação. Estimule a criação de misturas; a observação de diferenças e
semelhanças entre objetos; a elaboração de problemas simples; a convivência com
regras; assim como a comparação de características físicas de lugares, pessoas
e animais.
5. Identidade e autonomia
A criança se reconhece como tal a
partir do reconhecimento do outro. À medida que são atendidos em suas
necessidades básicas, os bebês identificam as pessoas que cuidam deles e
aprendem a localizar-se no ambiente. Reconhecem que são distintos do restante
do mundo ao levar os próprios pés e mãos à boca, antes dos seis meses. Em
seguida, passam pelo reconhecimento da própria imagem no espelho, uma passagem
fundamental para diferenciar o "eu" do outro.
Nas experiências de cuidado na
creche, as crianças aprendem a vestir-se, pentear-se, alimentar-se e fazer sua
higiene. Além disso, aprendem a sentir-se bem com esses hábitos. O professor -
que é o principal parceiro da criança nas ações de autocuidado e precisa estar
ciente do conteúdo simbólico de cada um desses hábitos - deve propiciar
atividades contínuas de estímulo à autonomia, pois é com essas experiências que
a criança entende as capacidades e inabilidades humanas e compreende as
diferenças entre as pessoas como elementos de legitimidade. Com isso, os
pequenos constroem sua forma de perceber e reagir às mais diversas situações,
de acordo com possíveis regras de sociabilidade.
Na creche, a criança precisa
aprender a lidar com a própria segurança. Espera-se que ao final da pré-escola
os pequenos tenham hábitos regulares de higiene pessoal, controlem os
esfíncteres - abandonando as fraldas por volta dos 2 anos - e auxiliem o adulto
a vesti-la. Entre 2 e 3 anos, que expressem suas preferências, alimentem-se com
talheres, não coloquem a mão suja na boca, não manuseiem objetos pontiagudos e
busquem o próprio conforto. Por isso, a alimentação, a limpeza e organização
dos espaços da escola, o conforto dos ambientes, as aprendizagens coletivas e
as brincadeiras com água são pontos importantes, que precisam ser amplamente
planejados pelos educadores.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO e MINIGRUPO. Organize jogos
interativos com adultos e crianças; faça com que os pequenos se familiarizem
com a própria imagem corporal; estimule a comunicação com diferentes parceiros;
ensine a apropriação de regras de convívio social e de hábitos de autocuidado;
dialogue para ajudar as crianças a solucionar dúvidas e conflitos e para que
reconheçam e respeitem as características físicas e culturais dos colegas.
6. Exploração e linguagem plástica
As crianças pequenas observam e
atuam no mundo com curiosidade, sem obedecer a padrões previamente
estabelecidos. O contato com as linguagens plásticas desde bebês estimula a
capacidade de explorar formas, cores, gestos e sons. Para agir de forma
produtiva nesse eixo, é fundamental valorizar a atitude investigativa dos
pequenos. Uma creche com ambiente favorável e professores conscientes de que o
processo dos pequenos é mais importante do que os produtos resultantes deste
processo tende a formar crianças mais abertas a desafio expressivos e,
portanto, às artes.
A creche deve propiciar muitos
momentos de pesquisa, experimentação e variedade de materiais e suportes - que
devem ser apresentados à crianças antes da realização de cada atividade. O
trabalho frequente com melecas, giz, tintas feitas à base de pigmentos
naturais, em cartazes, nas paredes da creche ou em folhas de papel é essencial.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO. Propicie o acesso a diferentes manifestações do campo
visual - desenho, pintura, fotografia e estimule o reconhecimento e a
exploração das primeiras marcas gráficas.
MINIGRUPO. Nessa fase a criança forma um repertório de imagens de
referência. Por isso, proponha diversas experimentações artísticas com melecas,
tintas e misturas, valorize as garatujas e faça com que os pequenos reconheçam
os próprios desenhos e explorem as relações de espacialidade.
7. Linguagem musical e expressão corporal
Por volta dos vinte dias de idade
os bebês são capazes de reconhecer a voz materna. Antes disso, no entanto, já
estão imersos no mundo sonoro e conseguem distinguir a voz humana de outros
ruídos. O primeiro contato com a música, nas cantigas e brincadeiras maternas,
é essencial para que a criança crie vínculos - fenômeno que tende a ampliar-se
no berçário, quando o bebê conhece uma profusão de sons e o professor abre um
novo canal comunicativo. As músicas ligadas a gestos e a brincadeiras tornam-se
fontes inesgotáveis de exploração. Com alguns meses de vida, a criança passa a
chacoalhar, bater e interagir com objetos diversos, em busca de novos sons.
Para que os pequenos desenvolvam
percepções de timbre, duração, altura ou intensidade sonora - mesmo que não
saibam nomear essas características na creche - o professor deve cantar muito,
tanto para o bebê, quanto nas atividades em grupo, além de estimular os
pequenos a ouvir música, independentemente da idade. O professor tem a
responsabilidade de ampliar o repertório das crianças, apresentando canções
regionais e folclóricas. Assim que possível, deve organizar momentos para que
as crianças acompanhem o canto utilizando instrumentos, batendo palmas ou
coreografando gestos, sem exigir o ritmo exato. Desde cedo, os pequenos são
capazes de reconhecer suas canções favoritas pelo movimento corporal. Jogos
musicais, canções, parlendas e trava-línguas são boas atividades cotidianas.
Orientações para este eixo
BERÇÁRIO. Valorize os momentos de percepção e de reação aos sons
ambientes, o reconhecimento de vozes familiares e de músicas favoritas pelo
movimento corporal, a produção de sons ao bater, sacudir ou chacoalhar objetos,
assim como a utilização do corpo e da própria voz.
MINIGRUPO. Proponha desafios de canto - individuais ou em grupo -; jogos
e brincadeiras musicais. Relacione a música com a expressão corporal e a dança
e ensine às crianças como identificar silêncios, pausas, sons da natureza, da
cultura e passagens sonoras. Estimule-os, também, a escolher suas canções
favoritas.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/0-a-3-anos/creche-pode-ensinar-548829.shtml