"Ela
não entende nada do que você diz." "Ele só chora." "Bebês
não fazem nada sozinhos." Comentários como esses são comuns quando adultos
se referem a crianças até 2 anos. A ideia de que são seres dependentes e
alheios ao que acontece à sua volta tem norteado o modo como pais e educadores
as tratam. Pesquisa do Ibope Inteligência em parceira com o Instituto Paulo
Montenegro (IPM), divulgada em 2014, revela que, para 53% dos brasileiros, os
pequenos começam a aprender alguma coisa só depois do sexto mês de vida. Quando
perguntados sobre o que é mais importante para o desenvolvimento deles, 51% dos
entrevistados disseram ser a ida ao pediatra e a vacinação. Receber atenção dos
adultos obteve apenas 18% das respostas.
Pouca gente
sabe que essa turma, apesar de muito nova, aprende o tempo todo, entende boa
parte do que dizemos e faz coisas sozinha. Basta dar oportunidades e desafios.
Descobertas de todos os gêneros
Na década de
1940, a pediatra austro-húngara Emmi Pikler (1902-1984) geriu o abrigo Lóczy,
em Budapeste, hoje Instituto Emmi Pikler. Para lá, levou observações de quando
atuava em uma clínica. Elas diziam muito sobre as competências e as
necessidades dos bebês. Emmi notara, por exemplo, que a incidência de fraturas
era menor em crianças de bairros operários que nas de famílias ricas - mesmo as
primeiras tendo hábitos aparentemente mais perigosos, como correr na rua. O
dado a fez pensar que a liberdade de movimento seria um impulso para aprender a
melhor maneira de cair. Consequentemente, isso se mostrou uma prevenção mais
eficaz do que o controle dos adultos. A médica também concluiu que quando o
conforto dos bebês era privilegiado e suas escolhas respeitadas, conseguir a
colaboração deles em momentos cotidianos, como o da alimentação, se tornava uma
tarefa mais agradável para todos.
Gerir o
abrigo deu a Emmi a oportunidade de ampliar as observações e analisar como as
vivências infantis aconteciam no dia a dia. Daí em diante, optou por enxergar
os bebês que chegavam em Lóczy como pessoas que têm preferências, necessidade
de afeto e competências.
A proposta
de pensar o bebê como alguém que aprende ativamente e, para tanto, precisa de
autonomia e de respeito, tem a ver com o que defendem pensadores caros à
Pedagogia. Jean Piaget (1896-1980) já dizia que o indivíduo, chamado de sujeito
epistêmico, nasce com a capacidade de estabelecer relações por meio das quais
desenvolverá seu conhecimento. É também do cientista suíço a ideia de ser
essencial a participação ativa de cada ser humano para que haja aprendizagem.
As duas prerrogativas são válidas para qualquer idade, inclusive até 2 anos.
Desde o
nascimento, temos intencionalidade e responsabilidade por nossas ações.
"Cabe ao adulto criar situações e dar espaço para que os pequenos tenham
oportunidades de se expressar", explica Lino de Macedo, professor
aposentado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). De
acordo com o docente, para eles, o mundo é uma grande descoberta. Ao nascer, os
bebês são apresentados a um universo de formas, texturas e espaços, que deve
ser explorado com autonomia.
Os adultos e
os colegas de turma fazem parte das novidades a ser desvendadas pelo grupo. O
psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) já entendia a Educação como um
processo social e esse, por sua vez, como um processo educativo. Quer dizer que
toda interação no ambiente escolar é um ato de ensino - inclusive situações que
reforçam o vínculo entre adultos e bebê - e uma vivência para a aprendizagem.
Sobre essa questão, o educador francês Henri Wallon (1896-1934) destacou a
afetividade como um dos campos funcionais sobre os quais se estrutura a
cognição. Assim, com trocas afetivas, a criança é capaz de conhecer o mundo.
Mas o fato de que os bebês interagem, aprendem e constroem conhecimentos antes
mesmo de falar muitas vezes é ignorado. "Eles precisam ser respeitados
como qualquer ser humano, e não serem tratados como bonecos, que só devem estar
limpos, cheirosos e bem alimentados", fala Mariana Americano, formadora do
Instituto Avisa Lá.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/creche-pre-escola/bebes-sao-capazes-aprender-muito-desafio-vivencia-797080.shtml